quarta-feira, 24 de março de 2010

O grito

O grito (01/09/2009)

Hoje acordei desanimado
Refiz como sempre
Os mesmos passos
Tomei o mesmo café de ontem
Aguado, amuado
Acenei a mesma mão murcha
Para o mesmo vizinho em seu carro
Recusei um cigarro com o mesmo sarcasmo:
— Não obrigado.
— O meu cigarro,
eu mesmo trago
e enfiei as mãos nos bolsos
como se neles procurasse
resposta perdida
ou mesmo algo
mais assim palpável
caminhei apressado
pelas mesmas ruas
sem novidade
e peguei o mesmo ônibus lotado
– por necessidade –
Que sempre me mata pouco a pouco
de cansaço
As ruas, o tempo, a vida
passando...
até chegar ao mesmo trabalho
as mesmas mãos
as mesmas caras
os mesmos sorrisos falsos
o mesmo chefe e a mesma frase:
— Você está atrasado...
Tentei responder
(Hoje eu tenho de responder –
pensei comigo).
Abri a boca
O peito inchado
E nada
Dela não saiu palavra
Só o esboço fraco
De um grito rouco, falho
E um choro
Com um sabor amargo
O mundo fugindo de meus pés
E eu ali parado
Afásico
Apático
As migalhas de um eu resignado
Se desfazendo a esmo,
Ante o assassínio parcelado
de mim mesmo...

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