sábado, 27 de março de 2010

Esquizofrenauto-retrato

Não eu não sou muito normal. Gosto de poesia, de cinema, de pintura, de música, de artes em geral. E mesmo sabendo que já não há espaço para isso neste mundo, eu persisto. E não tenho vergonha disso. Escrevo este blog para meus 1,25 leitores (é, o número está baixando) e parece-me que todos os meus companheiros de loucura seguem assim, isolados, escrevendo seus blogs e debatendo pouco ou nada com outros escritores. Escrever parece levar a um tipo de vida dupla: o ser normal, que trabalha, lê jornal, reclama da vida, tem uma vida social; e o alter ego, o louco, o monstro – aquele que chamamos de poeta. O artista hoje parece sofrer de um tipo de esquizofrenia – daí o título deste blog. A arte serve para respirar fora do sistema como outro e voltar a ele, mais leve que seja. Para que vocês me conheçam melhor, deixo um poema que escrevi há algum tempo. Abraço a todos!


Auto-retrato

Um quê de mineiro
Um quê de baiano
Um pé na África
O outro na cova
Um tiro certeiro
Um desejo praiano
Um jeito faceiro
De dizer “te amo”
O avesso do inverso
Um sujeito mundano
Que diz em verso
O que se diz estranho
O que não quer saber
O que se quis dizer
O que só quer viver
Até que caia o pano...

quarta-feira, 24 de março de 2010

O grito

O grito (01/09/2009)

Hoje acordei desanimado
Refiz como sempre
Os mesmos passos
Tomei o mesmo café de ontem
Aguado, amuado
Acenei a mesma mão murcha
Para o mesmo vizinho em seu carro
Recusei um cigarro com o mesmo sarcasmo:
— Não obrigado.
— O meu cigarro,
eu mesmo trago
e enfiei as mãos nos bolsos
como se neles procurasse
resposta perdida
ou mesmo algo
mais assim palpável
caminhei apressado
pelas mesmas ruas
sem novidade
e peguei o mesmo ônibus lotado
– por necessidade –
Que sempre me mata pouco a pouco
de cansaço
As ruas, o tempo, a vida
passando...
até chegar ao mesmo trabalho
as mesmas mãos
as mesmas caras
os mesmos sorrisos falsos
o mesmo chefe e a mesma frase:
— Você está atrasado...
Tentei responder
(Hoje eu tenho de responder –
pensei comigo).
Abri a boca
O peito inchado
E nada
Dela não saiu palavra
Só o esboço fraco
De um grito rouco, falho
E um choro
Com um sabor amargo
O mundo fugindo de meus pés
E eu ali parado
Afásico
Apático
As migalhas de um eu resignado
Se desfazendo a esmo,
Ante o assassínio parcelado
de mim mesmo...

quinta-feira, 11 de março de 2010

Sem gelo, por favor

É, eu gosto de tomar uma cerveja, um vinho, uma caipirinha – é, um uisquinho de vez em quando. Vocês entenderam - eu gosto de uma birita! Não bebo por moda, nem para aparecer, bebo porque gosto. Bebo socialmente, politicamente, intelectualmente e, dependendo da quantidade, até espiritualmente. Hoje em dia, nem tanto. Já bebi a minha cota. Agora, só de vez em quando, mas ainda sou apaixonado por vinhos. Na verdade, isso tudo é desculpa para apresentar um poema novo que escrevi, que sequer fala de bebida, contudo, tem este título:

Sem gelo, por favor

Minha palavra é palha
Eu sou agulha
Me perco, me embolo na fala
Mistura
De farinha pouca e de feijão ralo
Minha palavra miúda é calo
Na língua
É íngua
Que me acaba
Me mata
Migalha farta
Em mesa vazia...

quarta-feira, 10 de março de 2010

Esquizofrenia (?!)

Nunca fui muito normal e me orgulho disso. Vocês podem perceber pelo fato de eu me dedicar a escrever poesia e diferente do mundo não assistir à TV. Minha última loucura foi me meter a pintar quadros. Sempre fiz as coisas assim, por minha conta, me aventurando sozinho mesmo. Se não ficar bom, pelo menos não tenho ninguém a quem culpar ou desculpar. Minha arte é minha terapia e olha que até sai mais em conta (acredite). Se nunca ganhei nada com isso, pelo menos também nunca perdi. E isso me basta. Com vocês, deixo minha confissão:

Esquizofrenia

Reencontrei na escuridão da sala
Dois velhos fantasmas renegados
Velhos conhecidos, sim, de fato,
Mas já esquecidos, achava, superados

De modo que sentamos os três
A nos olharmos deveras intrigados
E a nos encararmos de vez em vez
Boquiabertos, totalmente estupefatos

O vento o farfalhar das folhas
a escuridão a sacolejar as cortinas
E nós três enfrentando sem sucesso
O medo sublevado em suas rotinas

As velas a falharem-me todo
O transe a me esquecer da hora
O senso a escapar ligeiro
A tanger o não, o talvez, o embora

Do coração a subir cheio
De angústias e de velhos anseios
O som rouco da voz a gritar-me muda
E a fenecer diante da vontade resoluta

De uma mão cega a quebrar-me os espelhos...

terça-feira, 9 de março de 2010

Abre-alas

Olá, pessoal! Sejam bem-vindos a este blog! Aqui quem vos escreve é Rafael Sampaio, poeta, músico, pintor, quer dizer, pelo menos eu tento. Neste site, espero escrever sobre tudo e sobre nada. Que me perdoem os leitores amantes da objetividade e do pragmatismo, eu passo longe disso. Carioca, mas descendente de baianos, eu quero mais é escrever na rede, porque a situação está difícil para quem escreve poesia. Mas ainda há gente que gosta de poesia neste mundo. Para provar estão aí todos os meus - dois - leitores. Para vocês, eu deixo um poema novinho em folha:

Samba de dar dó (Samba di dá dó)

Ando meio para baixo
Sem palavras
Sem nada

Eu que caminhei sobre as nuvens
Hoje me escondo sob o capacho

Sou Ícaro com a pele tostada
Sou o pássaro louco dos trópicos
De outros ares
Outros sonhos e vôos

Jogo as palavras fora
Meu tempo é perdido
é outro
é ouro
de um tolo

Sou dois sem par
Um deus sem altar
Templo do ócio

Sou eu sem lugar
Sem guia
Sou sem estar
ópio

O meu amor não se compra
Minha mente não se vende
Não me encontro em qualquer esquina
Cobra não se cria:
se mata

minha cor é meu luxo
a minha mentira é doce
como as tardes ao sul do equador

minha língua é minha pátria
é mátria
é solta como as mulatas
e me inventa e me arrasta
jogando os quadris
farta

meu sangue ferve
me afoga
e meu corpo todo samba
arfa
numa nota dó
e eu me equilibro bamba
numa perna só

que tom me pinta seco e áspero?
sim é dó
é dose
de cachaça branca, pura
como as virgens pálidas
do lado de lá

A lei aqui é outra
O tambor come solto
No terreiro
Aqui batuque se come
Com farinha

Ando meio para baixo
Do equador
E não escondo

Sim, meu vôo é baixo
Minha palavra é pouca e curta
Mas meu samba
É um quadro com todas as cores do mundo...


Rafael Sampaio
10/03/2010