sábado, 24 de novembro de 2012

Mitologias de Botequim

Aqueles poucos que acompanharam os posts deste blog, tão abandonado, é verdade, sabem do tom etílico que muitas vezes o meu texto assume. Cá estou eu, às duas - duas, não, três da manhã -, após retornar de um casamento (Parabéns, Iza e Hélcio!!!), postando este texto cheirando a cachaça (o texto, pessoal, não eu). Salut!

Mitologias de botequim


Copos ordenados por classe
Dezenas de corpos ao balcão
Um sangue a cada gole
Um ano a cada noite
Milhares, milhões de vozes
Sufocadas ao som de gim
E cachaça barata
A escorrer pelas gargantas cortadas
Uma festa microbiológica
Um festim de párias parricidas
A vomitar verborrágicos o vermicida
Que se convencionou chamar verdade...

...

(06.07.2007)

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Homenagem a Rachmaninoff


Prelúdio em C#m

Queria escrever como se faz música,
como um Rachmaninoff inspirado
Sentir as palavras, as letras, mesmo sem sentido
como pura emoção fluindo
destes dedos cansados
sobre o teclado

Queria fazer vibrar em seus ouvidos
a canção mais triste e enraivecida
que pudesse tirar de dentro de mim

E soar
simplesmente
Como o Prelúdio em Dó Sustenido Menor

do poeta Rachmaninoff...

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Florbela

Hoje publico um texto que escrevi há cinco anos, em homenagem à magnífica Florbela Espanca. Espero que gostem. Abraços!


Florbela

Calhou entre mágoas e trabalhos
O acaso de colocar ante os meus olhos
Teus versos tristes e ricamente vários
Que apertaram minh’alma e até os ossos

Não bastasse adivinhares minha dor
Tinhas os mesmos vinte e três anos que hoje tenho
Sofreste como eu sofro o mesmo amor
E tiveste em teus amores mesmo empenho

E minhas mágoas mais leves hoje trago
Neste coração (que carrego ainda aziago)
Pois ganhei na dor companhia garantida

Que abraçando quem a vida enterrou
Com seus versos docemente acalentou
O poeta que em mim jazia já sem vida...


(15.01.2007)

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Adágio

Onde estou que não me vejo?
Em que ponto desta vida eu me perdi?
Em que buraco sujo foi cair
            O que restou de mim?

Será que foi sopro de vento,
Um tremor ou um leve rugir
O que me levou num rompante
Para longe
             Bem longe daqui?
 ...

Talvez um dia me encontre
Em tristes acordes
Que ainda não escrevi
Até lá vago por aí
                Insone

Às vezes, penso em fugir-me
Mas, Deus,
                 Para onde...?

XXX

Para os meus 0,5.π.√2 leitores, que achavam que eu havia desaparecido de vez, e, que, certamente, aguardavam ávidos por mais uma gota desse meu cinismo, trago mais um poema novinho em folha cheirando a mofo. E, por falar em Mofo, estive ontem neste bar na Lapa, o que não tem absolutamente nada a ver com o texto, mas como meus poemas costumam ter mais um quê de etílico do que de estilo, então, no fim, tudo está relacionado.

Sexo oral

Ninguém é tão profundo
Quanto possa parecer

Ninguém é tão raso
Que não se possa penetrar

Ninguém é tão claro
Que não se possa crer

Ninguém é tão líquido
Líquido, líquido
Liquido

Louvada a luz lânguida
A nos libertar
Lívida, libidinosa,
Lírica

Ah, luxuriosa e luxuosa
Língua...

domingo, 19 de fevereiro de 2012

A história de Susan Foster

Naquele dia 5 de julho de 1983, uma menininha nascia na cidade de Nova Iorque. A cidade ainda carregava o ar peculiar das festividades do Dia da Independência quando ela emitiu seu primeiro choro. Aquela pequena criança bastante branca possuía um par de olhos castanhos muito espertos e brilhantes, que pareciam compreender tudo o que se passava a seu redor, mesmo sendo ainda um bebê que mal acabara de chegar ao mundo. Seu olhar penetrante contrastava com sua frágil e pálida aparência. Como uma criança podia ter tamanha profundidade no olhar era algo chocante. A verdade é que Susan não era uma criança comum. Aqueles que não presenciaram seu primeiro choro – que soara mais como um pequeno berro de insatisfação – diriam que ela era incapaz de chorar. Um ar de profunda seriedade emanava de cada fio de cabelo de seu pequeno corpo. Seu pai, John Foster, dizia que ela nascera com um espírito velho. Sua mãe, que – era um fato – não a queria, via tudo como mais uma prova de que aquela criança não era normal.

Mary Foster havia sido uma criança rica e mimada em seu tempo. Contudo, sua família perdera tudo e, com isso, ela parecia ter perdido também parte de sua sanidade. Apesar de sua personalidade problemática, John se apaixonara por ela e eles se casaram, meses após se encontrarem pela primeira vez. Quando John a conheceu, Mary estava em uma fase em que se portava avessa a toda e qualquer religião, proferindo as maiores barbaridades e heresias que conseguia pescar das garrafas de bebida que começou a ingerir com notável voracidade, logo no primeiro ano de casamento, como se de uma das garrafas fosse brotar alguma solução para sua vida. A situação foi piorando até chegar a um ponto insuportável. Precisou ser internada, mesmo contra a sua vontade. Com a ajuda do marido e da clínica de reabilitação, conseguiu largar a bebida e entrou para uma igreja protestante. Tudo parecia ter melhorado e o marido começou a ver saída para um casamento que fora um fiasco desde o início. Com o tempo, Mary sentira vontade, pela primeira vez, de formar uma família. Mais do que vontade – um chamado, um dever como mulher cristã. Precisava de um filho e, então, engravidou. Mas o fato é que, quando descobriu que teria uma menina, o sentimento de Mary mudou. Dizia que havia algo errado, que aquela criança estava errada. Chorava e gritava todos os dias e foi preciso muita paciência para que John suportasse até o fim. Já não via aquela mulher como sua esposa. Não suportaria viver mais uma crise como aquela. Estava enlouquecendo, mas, de alguma forma, sentia-se preso a ela por algum laço incompreendível, algo como um senso de dever, que aos poucos cessara de fazer sentido. O fato é que ele já não era o marido dela de verdade: vivia mais como o pai de uma criança muito doente. E, em meio a tudo isso, nasceu Susan, a pequena criança de olhos perfurantes.


Continua...